A empresa que simbolizou a primeira grande onda da internet aponta para uma nova revolução de negócios baseada nas comunidades e na colaboração online
Corriam os primeiros meses do ano 2000 quando uma empresa, em meio a centenas de ponto-com que surgiam diariamente, conseguiu traduzir em números concretos tudo o que a internet poderia render em negócios. Não se tratava de nenhuma start-up com planos revolucionários sobre o mundo online ou algum site de comércio eletrônico que crescera vertiginosamente na onda da bolha. O exemplo veio de uma empresa de infra-estrutura de redes. No fim do pregão de 24 de março, uma sexta-feira, a Cisco Systems, fabricante de equipamentos de telecomunicações, comemorava uma façanha: havia desbancado a Microsoft como companhia mais valiosa do mundo, chegando a um valor de mercado de 555 bilhões de dólares. O que chamava a atenção na ocasião, além das cifras, era a forma como a empresa tinha chegado até elas. A Cisco quase quintuplicou de tamanho entre os anos de 1996 e 2000. Passou de 4 bilhões para mais de 18 bilhões de dólares de faturamento, apresentando a si mesma como caso de sucesso da revolução digital. Foi uma das pioneiras na adoção da intranet, ferramenta que reduziu em 50% o número de funcionários de recursos humanos, e também encabeçou a migração das relações entre empresas para o mundo online para cortar custos e ganhar agilidade. As experiências da Cisco foram fonte de inspiração para todo e qualquer tipo de negócio e fizeram disparar as vendas de roteadores e switches, fundamentais para a conexão à internet.
E, então, desfez-se a bolha. A Cisco e todo o setor de tecnologia caíram na real na mesma velocidade vertiginosa com que chegaram ao topo. Agora, quase uma década depois, a empresa está de volta com um argumento de vendas atualizado. Vendas online já são um dado da realidade, assim como o uso da rede como uma forma de cortar custos. Mas, de acordo com a Cisco, os ganhos que as companhias vão ter com o uso da internet mal começaram a ser percebidos. Essa segunda onda se inspira nas redes sociais e em uma palavra que faz muito sucesso em apresentações de gurus tecnológicos, mas que ainda não encontrou uma definição precisa no dia-a-dia das empresas: colaboração. Com ferramentas parecidas com o Orkut, a Wikipedia e o YouTube, além de um sofisticado sistema de videoconferências, a Cisco quer revolucionar o ambiente de trabalho mais uma vez — e, claro, vender seus produtos, que agora vão além dos encanamentos básicos que fizeram sua fortuna na primeira onda da internet. “Estamos falando de comunidades”, disse a EXAME John Chambers, presidente da Cisco. “Elas surgiram com as comunidades virtuais freqüentadas especialmente pelos jovens.”
A própria Cisco é exemplo do fenômeno que ela espera ver materializado mundo afora. Uma vez por mês, o presidente da Cisco Brasil, Pedro Ripper, reúne-se com equipes internacionais para discutir como melhorar a produtividade dos vendedores. Ele divide uma sala no escritório de São Paulo com executivos da China, dos Estados Unidos e da Inglaterra, em uma reunião aparentemente comum se não fosse por um detalhe: seus interlocutores estão a milhares de quilômetros de distância. Uma rede de dados de alta velocidade e três telas de cristal líquido de mais de 60 polegadas fazem com que eles interajam em tempo real. A mobília e a cor das paredes são as mesmas em todas as salas de videoconferência e contribuem para a ilusão de que os participantes estão no mesmo ambiente. O sistema leva o nome de Telepresence e é a representação máxima do que a Cisco acredita ser a realidade próxima das companhias globais. “A colaboração online mostra que é possível aumentar a produtividade das empresas e, ao mesmo tempo, reduzir os custos”, diz Ripper. O sistema Telepresence já é um produto comercial — se bem que, a um preço unitário de 100 000 dólares pelo modelo mais simples, são poucas as empresas com condições de comprá-lo. Quem decide pela aquisição quer recuperar o investimento economizando em viagens. A própria Cisco diz ter deixado de gastar 236 milhões de dólares com mais de 185 000 horas de teleconferência.
Outras tecnologias de colaboração já em uso são direcionadas a melhorar os fluxos de informação. Na Ciscopedia, uma espécie de enciclopédia interna, os funcionários podem publicar e editar páginas com informações relevantes para a empresa. Os wikis, sites que podem ser atualizados pelos funcionários, são também a base para as discussões relativas aos projetos em andamento. O CVision, clone do YouTube na versão corporativa, publica vídeos, fotos e videoblogs e já é utilizado para fazer treinamentos a distância. A idéia da Cisco é vender sistemas desse tipo. Para o CEO John Chambers, esse novo negócio de tecnologias de colaboração online pode representar 1 bilhão de dólares em vendas nos próximos cinco anos. É uma perspectiva otimista. A consultoria Forrester Research calcula que, até 2013, serão movimentados 4,6 bilhões de dólares por ano em sistemas desse tipo, e os concorrentes da Cisco são respeitáveis: Google, Microsoft e IBM, só para mencionar três dos nomes mais conhecidos. Qualquer que seja o vencedor, a adoção das tecnologias da web 2.0 pelas empresas é inevitável, de acordo com Andrew McAfee, professor da Harvard Business School. “Em um momento em que as companhias mundiais buscam tornar o conhecimento mais transparente e ampliar o compartilhamento de informações, é inegável que os negócios vão esquentar”, diz McAfee.
Grandes corporações já caminham nessa direção, entre elas a gigante Procter & Gamble, que tem como meta ser a empresa mais colaborativa do mundo. Segundo Dave Ubachs, diretor de soluções de informação da Procter, o objetivo é fazer com que mais da metade das idéias de novos produtos venha de fora da empresa. Para isso, tecnologias colaborativas são fundamentais. Não apenas para receber contribuições de fora mas também para promover a troca interna de idéias, segundo Jeff DeGraff, professor de gestão da Universidade de Michigan. A aplicação corporativa das tecnologias de colaboração é um bom exemplo, especialmente porque teve inspiração em sistemas voltados para usuários finais, como MySpace e YouTube. “A incorporação das tecnologias da web 2.0 é apenas o primeiro passo nas companhias. A chave está em criar comunidades sustentáveis de praticantes”, afirma DeGraff. Em outras palavras: de nada adianta ter o software se as pessoas não o utilizarem. Na Cisco, a cultura da interação colaborativa já deixou de ser uma opção. Grupos interdisciplinares têm sido formados em várias regiões do mundo para discutir, via telepresença ou por wikis, questões de negócios e o papel da empresa perante a sociedade. À participação de cada diretor ou vice-presidente envolvido em tais projetos colaborativos será atribuída uma espécie de nota de avaliação, que tem impacto direto nos rendimentos variáveis. “Esse é um exemplo de como a colaboração poderá mudar os controles tradicionais e os modelos de remuneração das empresas”, diz Ripper.
Embora as tendências indiquem que a colaboração de fato deve crescer, a adoção desses sistemas não tem sido uniforme em todas as regiões do mundo. Companhias americanas e européias estão na dianteira de projetos de grande porte, como a Boeing, que utiliza wikis para o desenvolvimento de sua aeronave 7E7, e também a Siemens, que aposta na ferramenta para interagir com acadêmicos e fornecedores. O Brasil não deverá ver tão cedo projetos avançados nesse sentido, na avaliação da Cisco Brasil. Segundo o presidente da subsidiária local, o país tende a começar a adotar tecnologias que já existem no mercado há algum tempo, como a convergência das várias redes de comunicação — fixa, móvel e de dados — em um único sistema.
Apesar de estar uma etapa atrás de muitos países, entre eles o vizinho Chile, onde a telefonia IP já é realidade, o Brasil é a região emergente que mais cresce na estrutura da Cisco. No ano fiscal de 2008, encerrado em junho, o faturamento da subsidiária cresceu 48%, indicação de que nem mesmo os episódios envolvendo a Justiça brasileira foram suficientes para frear a expansão das operações locais — em outubro do ano passado, a Cisco Brasil foi acusada de sonegar 1,5 bilhão de reais em impostos com esquemas fraudulentos de importação, e hoje o processo, que tramita na 4ª Vara Federal Criminal, está na fase de ouvir as testemunhas e ainda não foi julgado. O faturamento da Cisco Brasil é de cerca de 1% das operações mundiais, o que, com base no resultado do ano passado, equivale a quase 400 milhões de dólares. Em âmbito mundial, as apostas da Cisco nas tecnologias colaborativas têm tido boa repercussão no mercado. O banco de investimento Goldman Sachs até incluiu a companhia em sua lista de ações favoritas do setor de tecnologia, com o argumento de que o ambiente de negócios em que a empresa atua está propício: entre as companhias pesquisadas pela instituição, 54% disseram que pretendem elevar os investimentos em redes. Os efeitos nas ações foram imediatos: no dia 8 de setembro, data do anúncio, os papéis da companhia subiram quase 5%.
Hoje, a Cisco não está mais nem próxima da valorização à qual chegou no fim dos anos 90 — vale cerca de 135 bilhões de dólares, quase um quarto do que valia há uma década. Mas, ainda assim, acredita que existem oportunidades concretas para retomar parte do fôlego de crescimento que já teve. Na época de ouro da internet, o diretor financeiro da empresa, Larry Carter, costumava receber dos investidores a tradicional pergunta: “Os melhores dez anos ficaram para trás ou ainda estão à frente de nós?” Em sua fase 3.0, é bem possível que a Cisco volte a deparar com a mesma questão.
Boxe
Integração online
Sistemas colaborativos apóiam a interação na Cisco. Conheça alguns deles:
CISCOPEDIA
Enciclopédia virtual inspirada na Wikipedia, permite a seleção, a publicação e o cruzamento de textos e conteúdos relevantes aos projetos da empresa
CVISION
Ferramenta de publicação de vídeos, fotos e videoblogs, nos moldes do YouTube, pode ser usada para transmitir treinamentos, antes feitos presencialmente.
WIKIS
Divididos por temas, servem de plataforma virtual de distribuição de tarefas e fórum de discussão para grupos de trabalho com membros em todo o mundo.
"As redes sociais vão acelerar a produtividade".
18.09.2008
Para Chambers, da Cisco, a nova onda da internet é ainda mais poderosa.
John Chambers, CEO da Cisco, diz que sua empresa provou no passado que a internet revolucionaria os negócios — e promete fazê-lo de novo. A novidade, desta vez, são as tecnologias de colaboração online, que vão encurtar distâncias, acelerar a inovação e quebrar barreiras nas empresas. EXAME participou de uma sessão de telepresença com Chambers. Leia a íntegra da conversa no Portal Exame.
Muito do tráfego na internet hoje é de vídeo. Como isso vai afetar o negócio da Cisco?
No começo da década, dizíamos que o crescimento do volume de dados não seria de 100% a 150% por ano, como previam os especialistas. Para a Cisco, 200% ou 300% era mais realista e 500% um número provável quando os vídeos começassem a pegar para valer. O uso de nossas redes internas cresceu 600% no ano passado com o uso dos sistemas de telepresença. As operadoras de telefonia também estão notando um crescimento extraordinário. O vídeo é a nova aplicação matadora da internet. E o fenômeno está só começando.
Por que o senhor diz que as redes sociais vão ter tanto impacto quanto a primeira onda da internet?
Podemos aumentar nossa produtividade duas ou três vezes mais rapidamente que as outras empresas. Isso não é uma frase vazia. Dissemos isso nos anos 90 e cumprimos. Em 1994, 90% de nossas vendas eram feitas online. Naquela época, a Intel recebia pedidos por fax. Quando conversamos com economistas como Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, ele concorda, pois estávamos certos.
Mas a primeira onda foi basicamente de automatização. Agora, estamos falando de pessoas. Há um fator cultural envolvido. O senhor pode dar exemplos práticos do uso das redes?
Nós criamos grupos de trabalho internos que colaboram online. Eu costumava cuidar de duas iniciativas. Agora, cuido de 20. A velocidade que teremos para levar nossos produtos ao mercado será muito maior. Hoje, dois terços das minhas reuniões são a distância. Em alguns anos, isso vai ser verdade também para os engenheiros, para o pessoal de vendas. Em vez de encontrar dois clientes por dia, eles encontrarão sete. É um enorme salto de produtividade.
Fonte: Revista Exame.
Edição: 0927
Data: 17 de setembro de 2008
Repórter: Camila Fusco
Voltar ao menu principal
|